NAÇÕES UNIDAS – A falta de responsabilização pela morte de funcionários das Nações Unidas e de trabalhadores humanitários na Faixa de Gaza é “totalmente inaceitável”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, à Reuters em uma ampla entrevista na quarta-feira.

Guterres também disse que estabelecer uma força de paz da ONU não seria a “melhor solução” para o Haiti, onde gangues armadas tomaram grande parte da capital e se expandiram para áreas vizinhas, alimentando uma crise humanitária com deslocamentos em massa, violência sexual e fome generalizada.

Antes da reunião anual de líderes mundiais na Assembleia Geral da ONU no final deste mês, Guterres resumiu o ano passado como “muito duro, muito difícil”.

Ela foi dominada pela guerra em Gaza, que começou apenas duas semanas depois que os líderes deixaram Nova York após a assembleia do ano passado, quando militantes palestinos do Hamas mataram 1.200 pessoas e fizeram cerca de 250 reféns em uma invasão transfronteiriça com Israel, de acordo com contagens israelenses.

Ao descrever a retaliação de Israel contra o Hamas em Gaza — onde autoridades de saúde locais dizem que cerca de 41.000 palestinos foram mortos desde o início da guerra — Guterres disse que houve “violações muito dramáticas do direito internacional humanitário e a ausência total de proteção eficaz de civis”.

“O que está acontecendo em Gaza é totalmente inaceitável”, disse ele.

O exército israelense diz que toma medidas para reduzir o risco de danos a civis e que pelo menos um terço das fatalidades palestinas em Gaza são militantes. Ele acusa o Hamas de usar civis palestinos como escudos humanos, o que o Hamas nega.

Quase 300 trabalhadores humanitários, mais de dois terços deles funcionários da ONU, também foram mortos durante o conflito, de acordo com a ONU. Guterres disse que deveria haver uma investigação eficaz e responsabilização por suas mortes.

“Temos tribunais, mas vemos que as decisões dos tribunais não são respeitadas, e é esse tipo de limbo de responsabilização que é totalmente inaceitável e que requer também uma reflexão séria”, disse Guterres.

O tribunal superior da ONU – o Tribunal Internacional de Justiça – disse em julho que a ocupação de territórios e assentamentos palestinos por Israel é ilegal e deve ser retirada. A Assembleia Geral da ONU, de 193 membros, provavelmente votará na semana que vem um projeto de resolução que daria a Israel um prazo de seis meses para fazê-lo.

Guterres disse que não falou com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu – que há muito tempo acusa a ONU de ser anti-Israel – desde o ataque mortal do Hamas em Israel em 7 de outubro do ano passado. A dupla se encontrou pessoalmente na ONU há um ano e Guterres disse que faria isso novamente – se Netanyahu pedisse.

“Não falei com ele porque ele não atendeu meus telefonemas, mas não tenho motivos para não falar com ele”, disse Guterres. “Então, se ele vier a Nova York e pedir para me ver, ficarei muito feliz em vê-lo.”

Quando perguntado se Netanyahu planejava se encontrar com Guterres à margem da Assembleia Geral da ONU, o embaixador de Israel na ONU, Danny Danon, disse que a agenda de Netanyahu ainda não foi finalizada.

“ESCÂNDALO” NO HAITI

Guterres descreveu o estado atual do mundo como “caótico”. Ele disse que o conflito em Gaza e a guerra da Rússia na Ucrânia estavam “presos, sem soluções pacíficas à vista”.

Quando questionado sobre as acusações ocidentais de que a Coreia do Norte e o Irã estão fornecendo armas à Rússia, Guterres disse: “Qualquer expansão da guerra na Ucrânia é um acontecimento absolutamente dramático”.

O Irã rejeitou as acusações ocidentais, enquanto a Coreia do Norte negou as alegações contra ele. Monitores de sanções da ONU disseram em abril que os destroços de um míssil que caiu na cidade ucraniana de Kharkiv em 2 de janeiro eram de um míssil balístico norte-coreano série Hwasong-11.

No Haiti, uma força internacional apoiada pela ONU tem sido lenta para ser mobilizada – depois que o Haiti pediu ajuda em 2022 – e não tem fundos. Os Estados Unidos querem que o Conselho de Segurança da ONU peça à ONU um plano para fazer a transição da força para uma operação de manutenção da paz da ONU.

“Não acho que a manutenção da paz seja a melhor solução em uma situação como essa… manutenção da paz significa manter a paz, e essa não é exatamente a situação que temos no Haiti”, disse Guterres. “Acho um escândalo que tenha sido tão difícil mobilizar fundos para uma situação tão dramática.”

TRUMP SE APROXIMA

O primeiro mandato de cinco anos de Guterres como secretário-geral coincidiu com a presidência dos EUA de Donald Trump, que cortou o financiamento do organismo internacional, chamando-o de fraco e incompetente. Trump é novamente o candidato republicano à presidência e enfrentará a vice-presidente democrata Kamala Harris na eleição de 5 de novembro.

“Estamos prontos para trabalhar em todas as circunstâncias em defesa dos valores da carta (fundadora da ONU) e dos valores da ONU”, disse Guterres quando perguntado se o organismo mundial tinha um plano de contingência para um possível segundo governo Trump.

Durante seu primeiro mandato, Trump também retirou os EUA do Acordo de Paris, um pacto internacional para combater as mudanças climáticas, e a campanha de Trump disse que ele faria isso novamente se vencesse em novembro. Os EUA são atualmente um participante pleno do acordo depois que o presidente Joe Biden rapidamente voltou a participar em 2021.

“Ele sobreviverá. Mas, é claro, provavelmente sobreviverá severamente minado”, disse Guterres sobre uma segunda retirada do pacto por uma potencial administração Trump. Guterres há muito tempo pressiona por ações mais fortes para combater as mudanças climáticas.

Com os direitos ao aborto sendo um tópico importante nas eleições dos EUA, Guterres disse que a voz dos EUA era “obviamente muito importante” nas Nações Unidas quando se tratava da questão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, bem como da saúde.

Sob a presidência de Trump, os EUA se opuseram à linguagem internacional há muito acordada sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e à saúde nas resoluções da ONU, por temer que isso pudesse promover os direitos ao aborto.

Trump também cortou o financiamento em 2017 para o Fundo de População da ONU porque sua administração disse que ele “apoia, ou participa da gestão de, um programa de aborto coercitivo ou esterilização involuntária”. A ONU disse que essa era uma percepção imprecisa. REUTERS

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